A Neta de Nanã

O seu nome é Berenice, e eu aprendo muito com ela!

(aqui, pequena mostra)


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** A NETA DE NANÃ [do LIVRO 1]**

Então naquele dia, quando um grande barulho dissonante cortou a sangue frio a alegria do salão, Berenice descalçou as sapatilhas e foi embora do baile. 
Com passos firmes – de quase raiva. 
Arrombou a porta frágil da casinha de Nanã com a força dos seus pés avermelhados e, muito baixo, falou que não havia lugar para ela no 'mundo de lá'.

- Tudo isso que eu aprendo no seu colo quente, minha avó – falou Berenice, com os olhos úmidos de tristeza e cansaço – não serve de nada nas terras além daqui! Não serve de nada...

Nanã nem olhou para ela.
Abaixada estava, envolvida em alguma tarefa, abaixada continuou.

Berenice não se chateou, nem nada... era o jeito da sua avó e ela já conhecia. Era o jeito que tinha para fazer a neta se dar as próprias respostas - que só assim podiam ser pessoais e, portanto, verdadeiras.

Então passaram aqueles dias em silêncio, nem se olhavam. Berenice não derramou uma lágrima sequer. Mas ficava horas retorcendo um pedaço de corda, até quase machucar a mão. E foi assim que ela sentiu toda a sua confusão, raiva, atordoamento, dúvidas e angústias.
Sozinha e em silêncio.

Às vezes subia num morro alto de onde conseguia ver a cidade. Iluminada, insone e barulhenta cidade!
Dava até para ouvir o som das vozes e das risadas.
E a música tocando no baile! O baile não pára nunca...!
E Berenice dançava de cima do morro, e também se divertia.

Até que um dia ela quebrou o silêncio e perguntou:
- Como é que eu levo o seu mundo pra lá, 'vó?

Nanã, que estava de cócoras macerando umas folhas, olhou na direção de Berenice, na soleira da porta, prendendo os cabelos com um monte de fitas roxas; o Sol, quase no fim, estava roxo também. E entrava pelas narinas um cheiro gelado de anoitecer.

Nanã ficou calada observando os braços brancos da neta.
Se Nanã fosse poeta, que soneto ela faria?

- O seu mundo é você, Berenice – finalmente respondeu.

A moça então levantou a cabeça e olhou com saudade pro rosto aconchegante daquela mulher tão velha e tão sua!...
Era possível que estivessem há tantos dias juntas sem trocar um palavra?!

- A gente é doida, não é? – falou enquanto abraçava Nanã aspirando o cheiro estimulante das folhas. E aquele abraço quente durou tanto tempo quanto dura o amor de uma avó por sua neta escolhida. E elas choraram juntas, e Berenice se apertou forte no peito da outra, e falou também que não queria voltar; que ela precisava ficar mais tempo ali, que deixasse ela ficar, que ela ainda não tinha competência pra viver no mundo de lá...!

Nanã disse que sim.

- Fique, menina! Fique...

Berenice, daquela vez, só ia voltar quando finalmente aprendesse a levar, dentro de si, o silêncio retumbante, imponente e criativo da deusa que ela sabia que era.

Da deusa e do deus que ela, e todo mundo, é e tem em si.

 
Escrito no dia 24 de julho de 2009.

 
SALUBA NANÃ!
... que me ensinou o seu silêncio e, cheia de sabedoria, vela os meus dias.