segunda-feira

Eu queria ser dessa gente que se alimenta do que existe no lado de fora. Pois se existe uma única coisa constante sobre mim, é que se eu estou na praça, a céu aberto, é porque tudo vai bem ao meu coração. E, nestes momentos, a rua é minha! Eu a conheço, eu a escuto, eu a domino. Porque eu sou do tipo de gente que venta pra dentro. Não se engane. Dentro de mim o ar nunca para de mudar de direção. Sim, é cansativo. Mas há como fugir de si?

Mas a rua, ela, com seus apelos, seus anseios, sua fome; ela, a rua, que é, em si, um torvelinho eternamente caótico, se eu não tiver cuidado, me desespera. Eu não sou da rua. Eu sou de ‘da porta pra dentro’. Eu preciso de silêncio como preciso de água.

Então se você me vir na rua, de sorriso farto e saia rodada, tenha certeza: tudo vai bem. Tudo em paz. Tudo assentado no lugar. É porque os meus pés estão firmes no chão. É porque minhas mãos estão macias. É porque as perguntas calaram e dormiram. Então eu, que sou egoísta e sinto necessidade de manter as coisas sob controle, posso finalmente me comunicar com o lado de fora. E nestas horas a rua sempre me responde saltitante, como se dissesse “fico feliz de estar aqui”. Então dançamos uma ou duas músicas, nos beijamos no rosto e eu digo “até a próxima”.

Às vezes eu penso mesmo que gostaria de ser dessa gente que se alimenta do que existe no lado de fora... Eles não parecem sempre mais felizes? Não parece que a vida é sempre leve e o mundo gira sem lhes dar tontura? Não parece que eles são tão disponíveis porque, afinal, não há nada que queiram proteger ou concertar tanto dentro de si? Essa gente que se alimenta do que existe no lado de fora, ao contrário de mim, que saro as feridas com a minha saliva, vão buscar nos ruídos do mundo a sua cura. Não parece mais divertido? Quase parece que eles não têm feridas; nem perguntas insistentemente sem respostas; nem potes quebrados; nem calafrios sem explicação; nem carências; nem pedidos mudos; nem demônios eloquentes que moram dentro das suas cabeças. Parece que essa gente, que se alimenta do que existe do lado de fora, pode ser considerada mais feliz, não é?

(mas também não é uma bobagem desmedida tentar medir  ~~~felicidade~~~~ ?)

Pois então ela, a rua, não é a minha casa.

A visito quando quero celebrar.

Não para acalmar, não para esquecer, não para cuidar.

A rua é, apenas, o meu lugar de comemoração. De agradecimento.

Logo depois, de volta, me recolho.

É preciso concentração para escutar.
Torvelinho, ventania, tempestade.

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