ESPERANDO DEUS
Sentada ao lado da minha mala, eu observo o trem que está prestes a seguir viagem. Sou eu que estou lá dentro. Encaramo-nos fixamente. Eu e eu. Não sei mais viver comigo. É hora de partir. Não há dor, não há mágoa e não há saudade. Porque eu quero ir.
Eu quero ir embora.
E então eu levantarei, colocarei o cabelo atrás das orelhas para imediatamente depois assanhá-lo novamente, puxarei a minha mala de rodinhas e sairei caminhando. Sendo eu e sendo outra. O momento exato em que eu for embora no trem, será um falecimento e uma reencarnação dentro do corpo ainda o mesmo. Os meus olhos escuros, o meu nariz largo, os meus peitos pequenos, minhas cicatrizes e minhas tatuagens continuarão aqui. Portanto não haverá pranto de nenhum dos meus queridos. Continuarei amando mãe, irmão e amigo. Continuarei gostando de comer cozido e brigadeiro na panela. Continuarei sentindo prazer em beber uma coca-cola gelada. Ainda continuará a mesma mania de investigar porquês. Mas, com certeza, dançarei mais tempo descalça e sozinha dentro da minha casa. Não me incomodarei com as pessoas que pensam, sentem e agem diferente de mim. Não sentirei mais medo do futuro. Amarei sem formatos, exigências, e expectativas. Sentirei mais tranquilidade e mais alegria. Dormirei profundamente. Brincarei.
E mais tantas outras coisas que ainda não consigo imaginar.
O maquinista acena da cabine. É hora de partir.
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