Este texto foi escrito em 2005. Era muito maior do que isto. Mas trazia detalhes que faziam sentido na época, mas que agora são só gordura.
Surgiu por conta de uma das minhas passionais paixonites.
Mudei o final.
Porque eu mudei.
Ela tinha menos de um metro e sessenta e cabelos
despenteados que davam um ar que podia ser tanto desleixo como convicção. A voz
aguda, estridente, soando sempre mais alta do que necessário, simplesmente não
combinavam com os traços quase masculinos de seu rosto. E tinha ainda uns ombros altivos, que disfarçavam muito bem a fome e a sede de colo que carregava sempre consigo.
Ela andava muito caseira nos
últimos tempos. O cansaço
lhe fazia desejar apenas sua casa, uma garrafa de Coca-Cola e um bom livro. Mas
naquele dia havia uma festa, que uma amiga, com a força que só os amigos têm de
governar uns aos outros, convenceu-a a ir.
Assim que chegou, recebeu de peito aberto a efervescência da noite. E sob a benção da Lua, respirou sem pudor toda a magia e sensualidade que moravam dentro dela. Era, pois, bom estar vendo caras novas,
e música e movimento! E ela foi se deixando embalar pela música, pela bebida, e
pela libido. Até que numa virada de cabeça dentro da dança, cruzou com um olhar que lhe indicava perigo. Era uns olhos molhados de um moço qualquer, que acompanhava atento os seus movimentos. Ela sentiu palpitação, frio e, muda, soltou um gemido.
A moça tinha o vício de se jogar de precipícios, e aquilo que havia sentido,
ela sabia, era o exato instante do princípio.
A festa seguiu. A moça continuou rindo, bebendo e dançando, até que se deparou
novamente com o olhar que lhe causava palpitação.
Então, com alegria, deixou.
Chegou em casa por volta das dez e meia;
da manhã do dia seguinte.
Os sintomas eram todos muito claros: acontecera. Ela havia
acabado de cair.
Cair de um
precipício não envolve lógica, não envolve tempo, não envolve conseqüências. E
uma vez tendo se jogado, ou se encontra um paraíso de águas calmas, ou um chão
duro e pedregoso, onde só resta voltar machucada, pelo barranco.
Na sua relação
com o vício a moça cometia um erro. Sempre o mesmo e fatal erro: ela nunca
conseguia se jogar junto com a outra pessoa. Ela se jogava afoita, de olhos fechados, sem nem sentir se a mão
do outro estava firme na sua.
Levou tempo até ela
finalmente entender que era a única e total responsável por qualquer coisa
que lhe acontecesse. Só ela poderia ser apontada pelos seus
machucados. Pois era
ela que se jogava, e fazia porque, deliberadamente, queria. Ninguém a empurrava
lá de cima; nenhuma força invisível, nenhum deus, nenhum diabo, nenhum destino
ou karma. Ela simplesmente sentia uma atração irresistível por precipícios
e quando topava com um apenas deixava o corpo cair.
Mas é que lá de cima a vista é sempre magneticamente bonita...!
Impossível não fechar os olhos, abrir os braços e partir em queda livre.
Os precipícios são inegavelmente arrebatadores.
O
que importa os riscos se o exato instante em que os pés saem do chão vale
qualquer dor?
Sua mais profunda esperança é que talvez um dia ela se canse.
E passe a ver beleza nas planícies.
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