quinta-feira

Não, eu nunca sofri nenhum abuso sexual.

Eu tenho um trabalho onde eu fico nua. E onde eu falo sobre a sexualidade feminina. 

Eu tenho quatro cicatrizes grandes na altura do quadril.
Não, eu nunca sofri nenhum acidente.
Eu nasci com um problema ortopédico que me renderam três cirurgias ainda na infância. Daí as cicatrizes.

Eu tenho um trabalho onde eu fico nua quase que o tempo inteiro. Obviamente as cicatrizes aparecem.

Não, eu não gosto delas. Mas aprendi a achar o meu corpo bonito e desejável mesmo assim.

Eu sou feminista.
Daquelas que falam destas questões quase que o tempo inteiro.
Porque o feminismo, dentre outras coisas, é uma forma de olhar para o mundo.

Associar as minhas cicatrizes, e a minha panfletagem feminista a um abuso sofrido é ser, talvez, simplista. É, talvez, precisar justificar as minhas palavras. É, talvez, concluir que uma mulher só pode se incomodar tão profundamente com as violências que as mulheres sofrem, se ela tiver sofrido, em si, uma violência tão radical quanto um abuso sexual.
Tirando as cantadas de rua que, sim, são invasivas e agressivas, eu nunca passei por nada mais radical.

Existe uma palavra, não muito conhecida, chamada SORORIDADE.
É a palavra que nomeia a sensação de irmandade entre as mulheres.
Que, em palavras de ordem, pode ser traduzida como "MEXEU COM UMA, MEXEU COM TODAS!"

Violências sofridas por mulheres mexem profundamente comigo.
Mesmo que eu não tenha, pessoalmente, nenhuma história triste para contar sobre isso.

Eu nunca apanhei (eu nunca nem ouvi nenhum grito de nenhum homem). Eu nunca abortei. Eu nunca fui estuprada.

Entendo que numa obra artística, tudo vira signo.
Então, sim, entendo que as minhas cicatrizes, junto do meu discurso feminista, pode ser lido como "ela sofreu alguma coisa muito séria pra estar falando isso".

Só me espanta que pessoas que não me conhecem na intimidade afirmem isso categoricamente.

Sim, eu me exponho. E, sim, isso dá margem para muitas interpretações; porque nós, seres humanos, sentimos necessidade de entender os porquês das coisas.
E a forma que eu me exponho, é a "pior" possível.
Porque é aqui no facebook. Era no meu extinto blog. Foi em um dos meus trabalhos artísticos. E isso vai abrindo portas nas mentes das pessoas.
Ok. Há preços. Preciso saber pagá-los.

Se eu tivesse sofrido alguma violência profunda, como um abuso sexual, é provável que eu, sim, falasse (ou melhor, escrevesse) sobre isso. Porque é a minha forma de expurgar as coisas.

E este texto, na verdade, é só um pedido:
pergunte.
Antes de atender ao seu impulso de concluir as coisas, baseado nas suas caixas de referência.

E é mais outro pedido, principalmente se você é uma mulher:
SORORIDADE.
O mundo inteiro está desesperadamente carente disto.

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