quinta-feira

Sobre pós graduação, paternidade e religião

Eu transformei em brincadeira o fato d'eu ficar pulando de graduação em graduação, ao invés de partir logo para um mestrado, caminho tão "natural". Mas são duas as respostas para a pergunta "Lisa, por que não vai logo tentar um mestrado?!": a primeira é que eu entendi que não gosto tanto assim de teatro! Não ao ponto de me dedicar academicamente a ele. E a segunda é que eu não tenho ainda nenhuma PERGUNTA! E só agora, fazendo a graduação em História, tenho ganhado a dimensão da importância de uma indagação, ao se debruçar sobre alguma coisa.
Agora, estudando História, eu estou sentindo, pela primeira vez, um prazer genuíno em estar estudando alguma coisa.
Eu já admiti que meu vestibular para Artes Cênicas foi absolutamente incentivado pela vaidade. O que não desmerece as vantagens incontestáveis que adquiri ao seguir esta escolha. O mundo que vivi (vivo) e as pessoas que conheci, e as experiências que venho acumulando, decorrentes desta escolha, vem me fazendo ser mais atenta. Mais leve. Mais livre. Mais feliz. Só agradeço...! Mas eu devia desconfiar que História talvez seja a minha 'vocação', pois sempre foi a ÚNICA coisa que eu realmente gostei de estudar, em toda a minha vida escolar.
A graduação em Estudos de Gênero surgiu num momento muito particular da minha vida. Cursá-la, por aquele curto período, teve efeitos profundos, esclarecedores e, por que não assumir, terapêuticos.

Mas é agora, só agora, no meu segundo semestre como aluna de História, imersa nos estudos como nunca estive (mais por desespero de final de semestre do que por dedicação genuína), eu começo a vislumbrar a sensação (orgástica) de se ter uma pergunta!

Eu ia fazer um seminário sobre os hebreus. Não fiz porque no dia da apresentação eu não poderia ir pra aula.
Na semana seguinte um dos colegas desta equipe me disse que a apresentação foi horrível! Que ele 'travou', que ele não conseguia falar nada, que ver a história do povo hebreu, que enxergar os relatos presentes na Bíblia daquela maneira tão imparcial e analítica, tinha mexido tanto com as convicções dele, que a voz simplesmente não conseguia sair da garganta.
Acabo de entendê-lo.
Porque passei a madrugada estudando (atrasada...) os textos sobre o assunto.
Mas não travei não. Pelo contrário - senti foi pequenas borboletinhas revirando o meu estômago.

Bem.
Eu fui evangélica.
Não tinha como não ser...
Eu passei toda a minha infância indo aos domingos pra Igreja Batista de Amaralina; eu me acostumei a ouvir minha vó se referir ao 'Pastor Geraldo' como uma deferência digna de um 'representante de Deus'. Ver meu avô lendo a Bíblia ou com o 'joelho no chão' era uma imagem cotidiana pra mim. Na casa dos meus avós tinha Culto no Lar, e a participação nele não era uma coisa negociável...

Quando meu avô morreu, e meu avô foi, na prática, o meu pai, eu precisava de um substituto. E transformar Deus no meu pai foi uma coisa natural a fazer, na minha cabeça de criança de onze anos, já que meu avô sempre parecera tão profundamente íntimo dele.
Mas só com uns 18 anos eu resolvi oficializar a paternidade e "assumi" pra família o meu status de evangélica, inclusive passando a frequentar uma igreja e me batizando.
Eu sei. É engraçado. E minha mãe (e minhas amigas!) não têm boas lembranças d'eu sentada ao lado do som, ouvindo os gritos da Bispa Sônia. Mas foi um momento importante da minha vida, que eu faria de novo, igualzinho. Inclusive, o meu batismo foi lindo! Eu frequentava uma igreja modernosa, com cultos embalados por bandas de rock (gospel), e me batizei numa vigília, na Praia de Pituaçu. Foi uma sensação maravilhosa, e nenhuma percepção posterior do que são as igrejas evangélicas, do que é a doutrina judaico-cristã e do quão Paulo de Tarso é um dos personagens mais estriônicos da história da humanidade, vão tirar a beleza do que eu senti naquele dia.

Então agora, na minha madrugada de estudos, mergulhada em textos que refazem a imagem que eu tinha da Bíblia e das coisas que estão escritas nela, mesmo que eu já não a visse como Verdade há muito tempo (porque refizeram, também, a imagem da Bíblia como livro histórico; porque, veja só, nem sob o ponto de vista histórico o Velho Testamento é uma fonte confiável! rs), eu me vi pululando em porquês que só podem ser respondidos através da Academia.

Não dá para apresentar estas perguntas aqui, até porque eu ainda não tenho conhecimento suficiente para sistematizá-las. É mais uma sensação. Como se todos os meus poros ficassem alerta diante de uma coisa. Que me levam a questões práticas, como a formação do Estado de Israel e o conflito entre judeus e palestinos.
É tão longe de mim!
Eu sou latino americana, brasileira, bisneta de índio... que tenho eu a ver com o sentido de unidade do povo judeu?!?!?!
Tenho nada a ver. E tenho tudo a ver.
Porque os descendentes do povo hebreu, ainda que não reconheçam Jesus como o Messias, nos legaram ele.
E isso, por todas as mal (péssimas) traçadas linhas da História, formaram a minha identidade também. Eu, que sou uma mulher nascida numa ex colônia de um país católico, criada numa família de protestantes.

Eu vou sim, um dia, fazer a tal da pós graduação...
Não porque é o caminho "natural".
Mas porque estudar pode ser uma forma de se decifrar.

E porque, misturando as mitologias, o meu único objetivo na vida é decifrar a esfinge, para não ser devorada.

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