segunda-feira

pequenos relatos sobre mini-monstrengos

Um choro. Alto, agudo, claramente doído.
- Ai meu deus, o que foi?!
Encontro Duda com a cara molhada e vermelha, chorando, encostada na porta da biblioteca.
Duda deve gostar de lágrimas, pois um dia ela, que é feinha, esquisitinha, fora de sintonia, anda pra cima e pra baixo carregando uma boneca suja; ela, alvo fácil pra bullying, calou um auditório com mais de cem crianças e levou às lágrimas um bando professoras (seres já propensos à sentimentalidades), enquanto cantava Corujinha, de Vinícius de Moraes.
Então era essa a menina se debulhando em lágrimas na minha frente.

- O que foi, Duda?
- Mariana e Ana Clara não querem mais brincar comigo!
- E por que você não brinca com outras pessoas?
- Porque antes ela brincavam comigo, e agora elas não querem mais brincar comigo!

- Brincavam comigo quando, cara pálida? - eu pensei, mas não falei, lembrando que eu nunca tinha visto Duda com aquelas meninas. Concluí, então, ser uma amizade recente; porém bastante intensa, vide o tamanho daquele sofrimento! E enquanto os soluços de Duda iam ficando cada vez mais altos, eu questionava se havia uma maneira didática e/ou psicológica de dizer "pra que porra você quer brincar com aquelas meninas que aos oito anos de idade já se sentem superiores a um monte de gente?!"
E Duda chorava, chorava, chorava.

Eu prendi o riso, respirei, sentei no chão ao lado dela, fiz cafuné.
- Duda, se elas não querem mais brincar com você, faça outros amigos.

Duda berrava.

Aí eu avistei Arthur, meu anti-social preferido, comendo sozinho o lanche dele, com a cara mais em paz deste mundo inteiro.
A única vez que eu vi Arthur interagir foi quando uma menina passou a levar jogos de tabuleiro pra escola. Arthur a seguia maravilhado, falava com as outras crianças com os olhinhos saltitando de felicidade enquanto jogavam. Lá um dia vejo Arthur sozinho novamente. Perguntei por Sofia e ele respondeu "hã?".
"Nada não, Arthur", eu disse rindo. "É só uma pessoa."

Então enquanto Duda perdia uns três quilos de tanto chorar pela rejeição, eu fiquei com vontade de pedir pra Arthur explicar como ele parecia ser tão harmonizado com a solidão.

- Por que antes elas brincaram comigo e agora elas não querem mais?!

Resposta correta:
- Porque você é esquisitinha, Duda! Porque você é avoada. Porque você não fala coisa com coisa. Porque nós, seres humanos, precisamos nos sentir melhores, para nos sentirmos bem.
Resposta que eu daria se eu não tivesse medo de perder o meu emprego:
- Manda elas se lascarem!
Resposta dada:
- ...

Aí Mariana e Ana Clara apareceram.
- Levanta, Duda! Se você quer brincar, então vem!
Saíram bufando com Duda correndo ainda soluçando atrás delas.

Neste momento Arthur levanta pra jogar as embalagens no lixo e me vê. Sorri. Dá tchauzinho.

Só eu que acho que Arthur é bem feliz?

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